novembro 5, 2024

Entrevista com Isabel dos Santos

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Entrevista com Isabel dos Santos

Entrevista com Isabel dos Santos

Isabel dos Santos, 45 anos, é uma empresária e filha do antigo presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Os seus investimentos e posição anterior como presidente da Sonangol, uma empresa petrolífera no seu país de origem, Angola, fizeram dela uma das mulheres mais bem-sucedidas em África. Hoje em dia, Isabel encontra-se profundamente envolvida no trabalho filantrópico no campo da emancipação económica das mulheres, e incentiva os empresários africanos a retribuir aos seus países de origem para aumentar o seu impacto na economia mundial. Isabel dos Santos dedicou grande parte da sua vida profissional a melhorar as vidas de mulheres e a aumentar as suas oportunidades de emprego e situações económicas em todo o continente africano, já que as mulheres continuam a lutar por maiores oportunidades e igualdade de direitos em todo o mundo.

Como resultado, a empresária tornou-se uma figura franca e um rosto reconhecido na luta pelos direitos das mulheres, assim como as suas conquistas significativas no mundo dos negócios que fizeram dela uma das pessoas mais respeitadas, não só em África, mas em todo o mundo.

“Criar oportunidades de emprego para as mulheres significa apostar no progresso das próprias comunidades. Quando prosperam, as mulheres investem o seu rendimento na família, saúde e educação. Valorizo muito este sentido de dever, de compromisso, de entrega. O impacto que as mulheres criam à sua volta é poderoso e transformador.”

Durante esta entrevista, Isabel deixa claro que tem sido difícil encontrar sucesso numa economia dominada por homens. Cada um dos seus sucesso foi marcado pelo preconceito, mas essas dificuldades serviram apenas para incentivá-la a investir em atividades filantrópicas que preparam o caminho para as próximas gerações de jovens empresárias africanas.

Na nossa entrevista, Isabel dos Santos respondeu a cinco perguntas fundamentas sobre a sua história, e os desafios que enfrentou em África – uma sociedade ainda significativamente dominada por homens.

Isabel dos Santos também respondeu a perguntas sobre oportunidades em África para mulheres que gostam e se interessam por negócios, assim como perguntas sobre as pessoas na sua vida que apoiaram toda a sua jornada para se tornar uma das empresárias mais bem-sucedidas de África. Embora reconheça que não tem sido um caminho fácil, Isabel partilha um pouco da inspiração e do apoio que recebeu e que lhe permitiram alcançar o presente nível de sucesso. Por fim, a empresária conta como escolhe as causas que apoia, investindo o seu tempo e os seus meios, dando orientações críticas a quem deseja fazer carreira fora do mundo dos negócios, tanto em África como no resto do mundo.

 

Que desafios enfrentou na sociedade africana dominada por homens?

 

As mulheres empregadas em qualquer nível do mundo empresarial de África sabem bem que a discriminação e o sexismo são preocupações muito reais. Mesmo durante o auge da minha carreira, as pessoas duvidam das minhas opiniões, como se fosse incapaz de negociar acordos por conta própria apenas por ser mulher. Como resultado, todas as decisões que tomo e todas as ideias que apresento são imediatamente questionadas, o que me obrigou a ser cada vez mais criativa e eficaz na maneira como defendo o meu valor, a minha experiência e as minhas capacidades. Este é um problema que muitas mulheres em todo o mundo enfrentam regularmente. Elas sabem que as suas opiniões e perspetivas são extremamente valiosas, mas gastam tanta energia apenas para se fazerem ouvir que lhes sobra menos tempo para se concentrarem simplesmente no trabalho. Como resultado, muitas mulheres estão perante uma dupla desvantagem em relação aos homens, especialmente quando estamos a falar de mulheres independentes no mundo dos negócios.

O desafio está em encontrar maneiras de alterar a cultura a nível global, fazendo esforços individuais para afetar a mudança. Mas esta pode ser uma situação inquietante, porque, embora muitas mulheres sintam a responsabilidade de falar sobre este tipo de tratamento e comportamento, elas também sabem que, ao fazê-lo, podem estar a colocar-se numa posição em que serão marginalizadas ou poderão mesmo perder as suas posições. Desafiar a ordem estabelecida não é, muitas vezes, a maneira mais rápida de arranjar amizades e contactos comerciais solidários, mas este é um dilema que todas as mulheres terão de enfrentar em ambiente profissional. Este problema é particularmente grave em África e em outras nações em todo o mundo.

Quando me veem em festas ou em público, as pessoas muitas vezes assumem que estou casada com um homem de sucesso e que fico em casa a tomar conta dos filhos. É costume perguntarem-me “O que faz o seu marido?” e nunca “Qual o seu ramo de atividade?”. É algo que, infelizmente, acontece com bastante frequência. Embora seja uma situação dececionante, não é tão limitadora quanto o preconceito que as mulheres empresárias enfrentam quando tentam obter capital para os seus negócios. Os investidores confiam muito mais nos projetos supervisionados por homens.

Isso significa que as mulheres empresárias devem esforçar-se ainda mais para provar a eficácia dos seus negócios e das suas ideias. Recebem menos financiamento numa etapa inicial, pelo que precisam de investir mais tempo a organizar os negócios até obterem números tão impressionantes que não podem ser negados. Isto é o oposto do que acontece com muitos homens, que são capazes de garantir financiamento com base puramente na confiança nas suas ideias e nos relacionamentos que têm dentro da indústria. E quanto menos empresas geridas por mulheres forem apoiadas, menor o número de mulheres em posições de sucesso, mulheres essas que poderiam atrair outras mulheres que estão apenas a tentar evoluir dentro da indústria.

Tudo isto contribui para um ambiente que dissuade metade da população de obter o nível de sucesso que, de outra maneira, poderia conquistar. Costumo comparar esta situação a uma corrida em que ambos os participantes têm de percorrer a mesma distância até à meta, mas um corre livremente enquanto o outro tem de percorrer o percurso tendo água pela cintura. O destino é o mesmo, mas os obstáculos a superar são diferentes.

 

Que oportunidades existem para as mulheres nos países africanos, que lhes permitam ser empresárias de sucesso?

 

Apesar dos preconceitos prejudiciais existentes em todos os níveis do mundo dos negócios em África, ainda assim é possível as mulheres serem bem-sucedidas. É preciso persistência, talento e coragem, mas é possível. Eu aconselho as mulheres mais jovens a identificarem as suas capacidades ou paixões. Este é o melhor ponto de partida, e é ainda melhor se lhe juntar os recursos inexplorados de Angola, como o turismo, minerais, agricultura e produção.

É minha firme convicção que África possui um espírito muito poderoso de empreendedorismo e cultura de startups. No entanto, há muito tempo que essa cultura foi suprimida devido ao tratamento e perceção injustos das mulheres no mundo empresarial. Isto manifesta-se numa economia muitas vezes estagnada, despojada de metade do talento, conhecimento, perícia e pensamento inovador do continente. As mulheres jovens são sistematicamente privadas do direito a uma educação de qualidade, afastadas de oportunidades de trabalho específicas simplesmente por serem mulheres, e até mesmo impedidas de perseguir as suas ambições, sempre que estas são vistas como “destinadas para homens.” Trata-se realmente de uma tragédia, já que existe muito potencial em África em termos de talentos naturais e oportunidades económicas geograficamente específicas que abundam na paisagem rica desta terra.

A agricultura é um setor particularmente promissor em África. As operações de média escala com foco na produção de produtos, criação de animais e manufatura estão a tornar-se cada vez mais lucrativas. O crescimento da classe média em alguns países africanos também abriu oportunidades para servir turistas internos. Os africanos com rendimento disponível começam a viajar e a procurar alojamento em pousadas e hotéis nas zonas rurais. Este facto oferece às pequenas empresas a oportunidade de suprir um mercado novo em franco crescimento.

Esta tem sido uma tendência particularmente encorajadora, já que demonstrou que cada vez mais pessoas africanas com níveis de rendimento de classe média e alta estão dispostas a investir o seu dinheiro aqui, no continente, em vez de o gastar noutras nações sempre que viajam. Quanto mais o continente africano conseguir estabelecer-se como um lugar repleto de maravilhas, não só para turistas estrangeiros como também para aqueles que se encontram dentro das nossas fronteiras e que talvez nunca tenham explorado a riqueza e diversidade do continente, maior o crescimento e a melhoria das nossas oportunidades económicas.

Mas, uma vez mais, primeiro devem ser dados passos mais importantes. Como eu sempre digo: “primeiro a semente, depois o futuro.” Não podemos dar estes grandes passos sem abordar primeiro os problemas principais dos dias de hoje, como desigualdade de género e respetivas questões de justiça social. É necessário apostar diariamente num crescimento constante e consistente se quisermos avançar no futuro. Este compromisso exige energia, e nem sempre é o caminho mais emocionante a seguir. Mas é o caminho necessário para esta terra e para o mundo se daqui a 50 anos quisermos viver num lugar melhor. É preciso criar novos empregos, dar formação a mulheres e pessoas marginalizadas e quebrar estereótipos que impeçam a evolução não só as mulheres, mas do nosso continente como um todo.

 


 

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Que homens apoiaram o seu trabalho como empresária? Tem algum conselho para dar aos pais que desejam criar mulheres fortes em África?

 

O meu pai sempre me apoiou. Olhando para trás, ele educou-me da mesma maneira que educou os meus irmãos. Nunca me disse para agir ou falar de determinada maneira, nem fui instruída para seguir uma carreira tradicionalmente feminina. Apoiou-me em todas as minhas decisões e chegou a incentivar-me para me formar em ciências da computação ou ser astronauta. A sua motivação fez-me sentir suficientemente forte e competente para me matricular num programa de engenharia e concluir a minha formação no ensino superior.

É aí que grande parte da responsabilidade recai sobre os homens. Até as mulheres terem realmente acesso a oportunidades iguais e direitos na nossa cultura, ainda vamos encontrar-nos em posições em que os nossos mentores e líderes são maioritariamente homens. Isto significa que os homens que se encontram nessas posições têm a responsabilidade, ou mais propriamente o dever, de serem solidários de alguma maneira possível e fornecer as ferramentas necessárias para que as mulheres possam progredir. Os homens não podem mostrar receio ou hesitação em valorizar o trabalho de uma mulher por medo de perderem as suas posições de poder. Devem reconhecer que quando um de nós atinge um novo patamar, todos nós atingimos. Afinal, todos os barcos sobem quando a maré sobe.

Em casa, não me educaram para esperar até encontrar um homem para casar e me sustentar. Fui criada para perceber que apenas projetamos o nosso nome através do trabalho árduo e da tenacidade na adversidade. Esta educação que me foi dada deu-me uma independência e ambição que poucas mulheres africanas sabem que têm. Aconselho todos os pais a esforçarem-se para criar as suas filhas desta maneira. Ao incutir-lhes confiança e ambição, estão a dar-lhes o apoio de que precisam para se tornarem empresárias de sucesso.

Muitos pais, em África e no mundo, têm medo de incutir audácia e independência nos filhos. Receiam que se incentivarem os filhos, em particular as mulheres, a perseguir os seus sonhos com coragem, estarão a sujeitá-los ao potencial de fracasso. Mas é preciso que as mulheres sejam incentivadas a perseguir os seus sonhos mais ambiciosos, caso contrário nunca se sentirão capacitadas para fazer algo grandioso nas suas vidas. Também é importante porque mostra que têm o direito de concretizar os seus sonhos e que não precisam de depender de um homem ou de uma série de homens para o fazer. Quanto mais se incentivar este tipo de pensamento e comportamento, melhor será para todos nós.

O meu marido também tem apoiado imenso a minha carreira. Sempre me incentivou e aconselhou, e quando preciso de trabalhar durante muitas horas ou fazer viagens de negócios, posso contar com ele para tomar conta dos nossos filhos. Agradeço muito o seu apoio e disponibilidade para assumir um papel diferente do estereotipado – a antiga suposição de que o pai deve ser o principal sustento da família e a mãe deve ficar sempre em casa com os filhos. Naturalmente, reconheço que este tipo de dinâmica deveria ser tão comum quanto as outras, e  não uma exceção especial, mas consigo também reconhecer e agradecer a sua disposição para assumir este papel num mundo que nem sempre recompensa os homens que o fazem.

 


 

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Que conselho útil tem para dar às pessoas que querem dar o primeiro passo?

 

Tirem proveito dos vossos talentos e conhecimentos pré-existentes. Se vão apostar numa área que conhecem ou onde têm experiência, então têm aí uma vantagem competitiva. Eu acredito que os objetivos são alcançados quando combinamos ambição com competência e determinação. Estejam dispostas a avaliar-se e a determinar exatamente o que são capazes de fazer melhor. Se tiverem pontos fracos em determinadas áreas, transformem-nos em pontos fortes. Por vezes, este processo pode ser desconfortável, mas é essencial para se tornarem uma força vital na carreira que escolheram.

Juntem paixão a este compromisso e irão começar com o pé direito. Será útil criar um plano de cinco anos e tentar arranjar maneiras de obter fundos para começar. Sejam o mais detalhadas possível e tentem antecipar o máximo de problemas que conseguirem. Resolver estes problemas antecipadamente pode evitar que tomem más decisões com consequências significativas. Mantenham o olhar no futuro e nunca estabeleçam limites para vocês mesmas. Acreditem que são capaz de alcançar os sonhos mais ambiciosos e, em seguida, encontrem maneiras de os tornarem realidade.

Tenham em mente que isso irá demorar muito tempo. O tempo é um investimento e ao focarem-se numa coisa significa que não poderão focar-se noutra. Tentem evitar que as vossas aspirações empresariais não prejudiquem a vossa família. É inevitável que tenha de fazer alguns sacrifícios, mas tente equilibrar ao máximo a atenção que dá aos aspetos e às pessoas que importam.

Lembrem-se de que não existe um caminho “certo”. O que resultou com uma determinada pessoa pode não ser adequado para vocês. As vossas prioridades são apenas vossas, assim como as vossas ambições e competências. O facto de verem as outras pessoas a constituírem ou não família, a formarem as suas empresas ou a evoluírem em empresas existentes, não significa que esse seja o caminho certo para vocês. Acreditem no vosso caminho e vai correr tudo bem.

 

Como escolhe as causas que apoia?

 

Concentro o meu apoio em organizações filantrópicas que beneficiam a sociedade de alguma forma. Este aspeto é tão importante para mim que estabeleci divisões encarregadas de patrocinar instituições de caridade e programas de promoção da melhoria da sociedade em todas as minhas empresas. Desenvolvemos iniciativas para melhorar a responsabilidade social, como apoiar um hospital pediátrico, financiar a luta contra a malária, fazer chegar água potável às comunidades carentes e organizar “dias de diversão” para as crianças doentes e desfavorecidas.

Também acredito que os empresários são a chave para trazer prosperidade aos países africanos. Estou profundamente empenhada em apoiar pequenas empresas com grandes sonhos, e prezo as oportunidades que me deram para fazer discursos para jovens mulheres em universidades e instituições em todo o mundo. Afinal, a educação é um dos aspetos mais importantes da sociedade. Assim como o meu pai me ensinou a ser independente, forte e ambiciosa, devemos também estabelecer um sistema educativo que dê a todas as jovens africanas a confiança de que precisam para terem sucesso.

 


 

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